terça-feira, janeiro 09, 2007

Dura Realidade

Sinceramente nem sei por onde começar. Tenho apenas uma imagem na cabeça que vejo e revejo vezes sem conta, que não consigo apagar, nem substituir. Fecho os olhos e ela está lá, abro-os e ainda não desapareceu. Marcou-me, marca e irá marcar.
Lembro-me de ser um miúdo certinho: cabelo sempre penteadinho, sempre de roupa engomada e uma mochila que fazia lembrar os executivos, aluno exemplar, um doce de pessoa.
Tínhamos, então, uns 11 ou 12 anos, não me lembro, e a sua vida mudou. Cedo demais!! A Vida é cruel e prega-nos partidas de mau gosto quando estamos menos preparados para as receber e digerir. Apanhou o Pedro desprevenido e virou a vida dele de pernas para o ar.
De um momento para o outro largou a roupa engomada para passar a andar desleixado, deixou crescer o cabelo (ou deixou de o cortar) e desgrenhou-o. Andava sempre de preto e cigarro na boca! Metia medo aos miúdos só pelo aspecto, mas não deixava de ter dentro de si a simpatia. Adoptou esta imagem na esperança de também a Vida se assustar e mostrar-lhe que não tinha medo dela.
Andávamos no 7º ou 8º ano e começou a correr um burburinho de que o Pedro tinha sido apanhado com droga, mas já todos sabíamos que lá atrás, no "cantinho dos fumadores" ele fazia entrar e circular o "charrinho" e outras coisas mais hardcore.
Quem o conheceu desde então, sempre lhe adivinhou um futuro pouco risonho. Um único caminho sem retorno.
Hoje, ao fim de 6anos, revi-o. Não era o Pedro que tinha visto da última vez. Tinha o cabelo cortado, estava de calças vermelhas e um camisolão. Não estava arranjadinho, nem demasiado descuidado. Vinha curvado sobre si próprio, de mãos nos bolsos da camisola. Agarrado a uma barriga que parecia incomodar. Tremia da cabeça aos pés e andava a custo. Amarelo e com cara de sofrimento, caminhava agarrado a uma rapariga de testa franzida de preocupação.
Não o reconheci logo, mas quando caí em mim e percebi quem era, tive a sensação de perder o chão debaixo dos meus pés. Senti-me cair a toda a velocidade, com borboletas no estômago, tal era o incómodo da percepção. Fiquei incrédula a vê-lo afastar-se. Um nó na garganta tão apertado impediu-me de falar, de respirar. De repente senti os olhos humedecer e fiz uma força hercúlea para não chorar.
Não foi o aspecto dele que por si só me impressionou, mas saber quem foi e perceber quem é. Fez-me odiar toda a estupidez de uma vida e toda a sensação de impotência que se apoderou de mim. Tive pena do Pedro.
Tinha tudo para ser alguém na vida, vingar no mundo das pessoas crescidas. Mas acaba com apenas uma coisa no bolso e no pensamento: a puta da heroína!!!
***

2 comentários:

Raul disse...

opah... por muito frio e cruel que possa soar, duvido muito que alguém tenha obrigado esse rapaz a meter-se na heroína...

anyway... beijo e boa sorte apra anatomia (essa cadeira é a que se estuda pelo famoso netter - é assim que se escreve, acho eu - não é?)

asdrubal tudo bem disse...

é das coisas que mais me doi é ver a quantidade de vidas, directa e inderectamente, destruidas por causa da merda da droga.