sexta-feira, agosto 04, 2006

Pessoas que não morrem....

Faz hoje um ano que partiu para longe daqui o meu exemplo de coragem, luta e vontade de viver.
Chamava-se Maria Preciosa, conhecida pelos alunos por Irmã Lídia. Uma freira com espírito, que defendia o que acreditava, que se mantinha fiel ao que defendia, das poucas pessoas que acreditava naquilo que proclamava.
Cerca de vinte anos antes tinha-lhe sido diagnosticado um carcinoma na mama, mas não foi esse “pequeno” imprevisto que a fez desistir, encostar, desanimar. Parece ter-se esquecido dos seus problemas, parece ter apagado qualquer dor que sentia, para se dedicar à dor dos outros. Sempre preocupada com o bem-estar dos outros,deixando de parte o seu próprio bem-estar.
Sobreviveu à dor, aos tratamentos e às sucessivas novas investidas da doença e encarou-a sempre com a maior naturalidade e força. E acredito que foi essa força, essa fé que a mantinha presa à vida que a deixou disfrutar da vida durante estes últimos anos.
Conheci-a quando entrei para o colégio para leccionar o 10º ano. Lembro-me perfeitamente do sorriso que me lançou, da conversa que começou comigo e da introdução que me fez, sem nunca me ter visto, sem me conhecer, tratou-me como se nos vissemos todos os dias e como se fosse apenas mais uma conversa normal de dia-a-dia.
Era a Irmã que nos orientava pelas salas: que nos obrigava a entrar de cada vez que a campainha tocava e que nos obrigava a sair da sala sempre que lá fora reinava o gelo da manhã de Inverno. Era a Irmã que nos consolava quando nos eram entregues os testes e as notas eram a nossa desilusão. Era ela que nos vinha dar força, que nos ia desejar sorte antes dos exames ou testes. Era a Irmã Lídia, dizemos nós que a conhecemos. Pessoa incomparável, pessoa inigualável, pessoa para sempre memorável e recordada.
No último ano, por azar ou por força do destino, volto ao colégio para repetir os exames nacionais. Preocupada com a minha missão, não deixei de reparar numa ausência. A Irmã nunca apareceu. A alegria que marcava aquele colégio, não existia. A Irmã não me veio desejar sorte......nem a mim, nem aos demais condenados.
Um mês depois recebo a notícia de que a Irmã Lídia estava entregue a uma cama, a doença tinha voltado a atacar!!! Lembro-me de pensar “A Irmã vai-nos dar mais uma lição de coragem e luta!!”, mas ainda assim não pude deixar de ir ver a pessoa que sempre me foi ver à entrada do martírio, a pessoa que mais admirei, e não pude deixar de lhe ir dar uma palavra de conforto. Fui numa tentativa de fazê-la recordar os bons momentos que passamos juntas, a importância que ela tinha naquele colégio, e a marca que deixou em cada um de nós que a conhecemos. Quando cheguei ao colégio, num sábado à tarde, e entro no quarto da Irmã, lembro-me de sentir os meus olhos pesados de lágrimas, lembro-me da voz ter sumido e apenas ter conseguido esboçar um sorriso, que não sei o que pareceu. A Irmã Lídia estava prostrada na cama, presa a um desânimo que ainda hoje recordo e ouvi dela o que nunca pensei ouvir: “Isto está muito mau! Estou pronta para que Ele me leve!!”. E mais uma vez permaneci calada. Tudo me passava pela cabeça, tentava fazer sair uma palavra de ânimo, mas aquela certeza dela, aquela entrega deixou-me desarmada.
Saí do colégio e as lágrimas brotaram. Despejei toda a revolta que trazia e, confesso, acreditei ter sido a última vez que visitei a Irmã.
Quatro dias depois de a ter visitado recebo um telefonema. Tudo tinha acabado. A Irmã tinha partido. Tinha adormecido e tinha partido para a sua nova viagem.
Dia 5 de Agosto, também o dia do meu aniversário, a minha mentora foi a enterrar. Estavam uns 30 e muitos graus. Visto o meu traje académico, coloco a capa aos ombros em sinal de luto, e rumo ao colégio. Não vi a Irmã. Não quis ver. Guardei e guardo a última imagem do sábado anterior e predominam as boas imagens, dos bons momentos que passamos. A urna sai da capela em direcção ao carro funerário. Eu e os demais admiradores de tal heroína estendemos as capas no chão em sinal de respeito. Choramos a despedida. Soluços incontroláveis. A saudade que já apertava. A dor que nos embargava a voz, a vontade, o sorriso.
Um último adeus, chorado e sentido. A urna desce.....e tudo acaba....
Partiu o corpo da melhor pessoa que até hoje conheci, mas fica comigo a imagem do seu sorriso, o timbre da sua voz, a sua vontade de minimizar a sua dor, o seu exemplo de luta....
Partiu a pessoa, ficou a obra.
Que Deus guarde a sua alma e que lhe dê agora aquilo por que ela sempre lutou enquanto viveu.
Porque as boas pessoas merecem ser recordadas......


À Irmã Lídia
***

3 comentários:

cp disse...

sem dúvida uma história que faz lágrimas, dor interior...ainda mais porque foi vivida! ainda bem que conheces-te a irmã lidia..certamente n irás esquecer, essa figura inconfunível!

cp disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
cp disse...

Desejo-te um optimo dia 5 de agosto, e feliz aniversário ;) beijo do teu amiguito...