O Mostrengo

Ainda eu mal sabia o que era ler, o que era a verdadeira poesia; ainda eu mal sabia o que era um génio, já o meu irmão me recitava este poema!!! Desde então comecei a nutrir uma "paixão platónica" por este grande génio que é Fernando Pessoa!!! E porque gosto muito do dito poema e porque ele me acompanhou até nos momentos decisivos, vou transcrevê-lo para aqui.
Não consigo deixar de me arrepiar quando o leio e quando o recito!! É simplesmente lindo e com uma força indescritível!!! Não só porque me lembro da forma como me senti na primeira vez que o ouvi e desde então não descansei enquanto não o soube na sua totalidade, de trás para a frente e de frente para trás. Chamem-me louca, chamem-me doente, chamem o que quiserem, mas como alguém alguma vez disse: "de médico e de louco todos nós temos um pouco".
Fernandito!!! Aqui te deixo a melhor homenagem que te consigo fazer:

O Mostrengo

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: "Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme disse, tremendo:
"El-Rei D. João Segundo!"

"De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?"
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
"Quem veio poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?"
E o homem do leme tremeu, e disse:
"El-Rei D. João Segundo!"

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!"



Fernando Pessoa, in "Mensagem"


***=)