sábado, outubro 14, 2006

Mais uma questão de moral?

O assunto “Eutanásia” nunca fez parte do meu rol de preocupações. No entanto, desde há uns meses para cá que esta questão me assombra. Não porque esteja directamente confrontada com ela, mas porque no exame de uma cadeira (a que, por acaso, na altura não passei) pediram a minha opinião sobre o assunto. Confesso que me assustei, porque nunca me vi confrontada, muito menos num exame, com uma questão sobre a qual não tinha opinião e, muito menos, na qual nunca tinha perdido tempo a pensar. Além do mais, como cidadã, pessoa e futura profissional de saúde, gostaria de ter uma opinião formada sobre o assunto. Mais cedo ou mais tarde, “nós” médicos seremos chamados a praça pública para emitir a nossa opinião relativamente a mais uma questão de moral, que confesso ser uma opinião que não tenho, mas que na altura vou querer ter.
Ora, para o efeito tenho lido, pesquisado, tenho assistido a diversos filmes, documentários, reportagens sobre o assunto. Tenho bastante informação sobre isso, no entanto, a opinião está a custar a sair.
Neste momento, a única coisa que consigo opinar sobre a eutanásia está baseada nos princípios éticos e deontológicos da profissão médica que aprendi este ano. São conceitos, regras e princípios que eu assimilei e vou assimilando, mas tendo em conta que o ser humano, o doente é dono e senhor da sua vida, ciente do que faz e consciente e capaz de defender os seus direitos. Confuso?! Nada!!! É como está a informação na minha cabeça: desarrumada!
Ora, segundo o juramento Hipocrático, “a vida que professar será para benefício dos doentes e para o meu próprio bem, nunca para prejuízo deles ou com malévolos propósitos; Mesmo instado, não darei droga mortífera nem a aconselharei...”, ou seja, o médico deverá procurar sempre assegurar a vida do doente. No entanto, este juramento foi feito (e apesar de continuar a ser prática importante para os finalistas do curso de medicina) numa época em que o médico era Deus na terra, ou seja, o médico agia com as mãos de Deus, curava, e a sua acção era inquestionável. Mas hoje em dia, as coisas mudam: o doente é “personagem” importante no tratamento e na cura; o médico é apenas o interlocutor, o informador, o orientador.
Hoje, a prática médica baseia-se em princípios importantes como o da beneficência (prática do bem) e o da não-maleficência (não praticar o mal no doente, propositadamente), que permitem ao médico promover a saúde do doente, aliviar dor e sofrimento, mas que o impedem de causar danos no doente, muito menos com intenção. Mas faz também parte da prática médica, procurar manter e respeitar a dignidade humana. O doente deve ter direito à autonomia, deve poder participar na sua cura tendo por base o consentimento informado, ou seja, o doente e a sua opinião deverão ser SEMPRE RESPEITADOS.
Atentando nestes pontos, e partindo do princípio que só isto interessava, poderia dizer “sim, sou a favor da eutanásia”, mas isto é tão complicado e envolve tantos princípios, tanta moral, tanta coisa, que ainda se torna complicado.
Sinceramente, penso que cada um tem o direito a decidir o que quer para si e, se o doente acha que a vida que leva já não é digna, então poderia decidir pôr termo à sua vida. Mas há outras questões que se alevantam, nomeadamente:

1) As pessoas não querem sofrer, logo em momentos de sofrimento pedem para que este acabe, nem que isso implique a morte. O que me leva a pensar que a pessoa deveria decidir o que fazer numa situação limite, antes de estar nessa situação, mas para isso existem os testamentos sobre a vida, em que o médico, respeitando instruções expressas e prévias do doente não inicia meios extraordinários de manutenção das funções vitais nas situações previstas pela pessoa em documento escrito. No entanto, só quando estamos nelas é que sabemos como reagimos, o que queremos, o que fazemos. E quem me garante que numa situação extrema não decido lutar? Além do mais, estes testamentos sobre a vida são mais aplicados a pessoas que iniciam tratamentos que levam à degradação da vida, e a doentes crónicos. E aquelas pessoas que ficam incapacitadas por obra do acaso e infelicidade?! Não andamos todos os dias a pensar no que decidia se ficasse tetraplégica daqui a 2horas, pois não?

2) Nem tudo são estados definitivos. A velha questão: não acredito em milagres, mas eles existem.

3) Depois, a generalização desta questão, pode cair em problemas éticos e jurídicos piores.

4) A “decisão” de quem está ou não suficientemente ciente do que decide para si é feita por quem? É credível?


Enfim, continuo confusa, continuo sem opinião formada. Eu sei que faz parte do papel do médico proporcionar uma vida digna ao doente, tentar cessar dor e sofrimento. Mas estará nas mãos dele, acabar com uma vida?
Opinem, preciso de ouvir opiniões, para poder formar a minha. E peço desculpa pelo alongamento que este post acabou por levar, mas exprimir uma opinião em meia dúzia de palavras nunca foi comigo,principalmente quando reina a confusão de ideias.
***=)

2 comentários:

Mim... disse...

wow
lá extenso é o post mas nao me cansei de o ler e confesso q fui lendo, descendo pouco a pouco a pagina, nunca desvendando o fim.(ao contrário do q as vezes faço..)

Confesso que essa também nunca foi área para a qual dirigisse o meu interesse... No entanto, começo a aperceber-me da dimensão de coisas q esta "questao moral" levanta.
Acho que já é hora de abrir a pestaninha e debruçar-me também sobre estes assuntos... A futura profissao assim to exige e sinto-me tb um pouco na obrigação,não na pratica medica mas na pratica psicologica.(futuramente...)

É hora de acordar para estes temas, por vezes considerados tabus tabus e que causam ainda muita confusão nas nossas cabeças.

No entanto, acho que a quantidade de informação, partilha de opinioes etc, pouco nos ajuda na formulação da nossa própria opiniao... Ok, tems de analisar os pros e contras e este facto ajuda, sim, mas penso que tudo sairá fruto de uma reflexão demorada e consciencializada sobre o assunto.
Vai ser influenciada por inumeros factores, tais como a educação, a cultura, o sistema de valores, ideais, etc..

embora o caso nun atenha assombrado os meus pensamentos, vou dedicar-me um bocadinho mais a estas coisas "moralistas" e deixar mais o prazer momentaneo q busco...

Ah! acho exacerbadamente estupido (ahah) ua pergunta de exame onde exigam esse tipo de opinioes...!

=)
Boa sorte pinha, nao deixei opiniao formulada sobre o caso, mas...

Anónimo disse...

bem... este assunto é muito controverso e, tal como tu, nao tenho ainda opinião formada porque acho que fico sempre num "meio-termo" e nao me consigo desenvencilhar desse estado... acho que o direito a nao sofrer pode proteger os pacientes, mas também defendo um lutar e nao desistir, uma esperança e, sendo a morte algo inevitável acho uma decisao demasiado drastica para ser tomada em determinadas alturas... ha tantas implicações... de momento, sou estudante, mas também (espero eu) serei medica e penso que seria muito dificil conseguir dar a eutanasia a um paciente, sem ficar com a minha consciencia toda endoidecida...

é um tema muito dificil... por mais que tivesse tentado até agora ter uma opiniao muito concreta, a verdade é que nao consigo... a este factor junta-se aquele e o outro e o outro ....

P.S. o blog esta muito fixe, continua a postar ;) identifico-me com varias coisas...